Aquele a quem alguns chamam “Manecas” ou “Mad Dog” (em especial depois do já relatado episódio em que injuriou vergonhosamente a Senhora do Carro Azul) nem sempre foi o perigoso homenzarrão que hoje a todos inspira respeito. Pelo contrário… já foi um menininho pequenininho, franzininho, magrinho… tadinho… era fome…
Aquilo que vos vamos contar, chegou até nós pelas palavras de um agente da autoridade (também conhecido em Brooklin como “moina” ou “biatch”), o genro da Senhora do Carro Azul. Ao que apurámos, é agente na esquadra perto da casa da mãe de P. Silva, mas, segundo soubemos, já viveu por cima de outros membros do Gang de Brooklin, pelo que as suas informações são seguríssimas e conhece como poucos a conturbada e nebulosa infância de Pedro “Manecas” Silva).
Pedro “Manecas” Silva foi uma criança de desenvolvimento tardio. Só começou a andar por volta dos cinco anos, mas mesmo assim passava os dias a bater com a cabeça (ou os dentinhos) nas quinas das mesas (inicialmente tinha uma predilecção especial pela bancada da cozinha que depois passou para o lavatório). Para além desses encontros, eram frequentes as perdas de equilíbrio, que motivaram belas e inspiradoras descidas a pique pelas escadarias do prédio. Ficou famosa a visita dos alunos da escola primária do Monte dos Burgos ao Bom Jesus de Braga, pois ainda hoje os degraus lascados marcam a passagem da nuca de “Manecas”.
Sua mãe não sabia bem o que tinha o seu menino, sempre cambaleando e caindo como se tivesse bebido vodka em jejum, mas acabou por decidir-se a levá-lo ao oftalmologista quando, depois da limpeza de Primavera, despejou o saco do aspirador e viu “Manecas” abraçado ao monte de pó e cotão sorrindo e dizendo: meu querido Pantufa, és tão fofinho…
O médico diagnosticou-lhe uma doença rara: miopia com princípios de hipermetropia (basicamente via muito mal ao perto e pior ao longe), o que finalmente explicou os problemas do rapaz: afinal ele quase que não via, por isso é que não andava bem! Tinha de usar óculos mas, e recordo que estávamos nos inícios dos anos 80, as lentes não eram fininhas tipo progressivas ou coisa do género… naaa, nada disso… havia quem lhes chamasse fundo de garrafa, havia quem lhes chamasse quadrados de gelo e havia ainda que lhes desse o nome de tijolos de vidro. Certo certo, é que eram umas lentes grossíssimas apoiadas numa pesada armação castanha e amarela (daquelas tipo “avó”), a única com consistência para aguentar o peso das lentes.
O coração de Pedrito encheu-se de tristeza… o pescoço de Pedrito foi vergado pelo peso de tal acessório, e o jovem passou a andar cabisbaixo…
Até que surgiu na sua vida algo que a mudaria para sempre: o futebol!
O único problema estava nos óculos. Todos sabemos como são cruéis as crianças e “Manecas” tirava os óculos mal saía de casa (aliás, só os usava em frente aos pais, e até em casa andava sem eles) para não ser rotulado com o estigma de “Caixa de Óculos”, “Quatro Olhos” ou “Pitosga”. O problema estava no facto de isso o transformar naquele tipo de jogador que “joga de olhos fechados”. Literalmente.
Quando jogava no recreio, apontava para o poste direito da baliza e a bola encaminhava-se milimetricamente para a bandeirola de canto. Os seus passes lembravam as assistências de Secretário a rasgar a defesa para o golo de Acosta… e assim foi-se sentindo cada vez mais excluído… apesar de dentro de si, ter o potencial de uma estrela…
Até que um dia se lembrou: vestir uma camisola como a do Romário ou a do Branco! Uma camisola da selecção brasileira traria a magia do futebol aos seus jogos no ringue!
Pediu ao pai uma T-Shirt do Brasil e ficou à espera da prenda…
E eis que chegamos à foto apresentada ontem…
Corria um fatídico dia do quente Verão de 87 e Pedrito estava com ganas de bola. Ao abrir a porta do armário, milagre: uma camisola canarinha!
Pegou nela de imediato e saiu com ela vestida para a rua, entrando no ringue com o peito cheio de orgulho! Infelizmente, a sua vista nublada não lhe permitiu ver que a camisola que vestia não era da selecção de Bebeto e companhia mas sim, miséria das misérias, uma camisola do “Meu pequeno Poney” que a sua primita tinha deixado lá em casa…
Ainda hoje, passados tantos anos, estas memórias cravam feridas no coraçãozito de “Manecas”, tamanhas foram as gargalhadas da juventude “Brooklinense”… Foi este o episódio que transformou o até então doce e meigo jovem “Manecas” no homem magoado e violento que agora atormenta os transeuntes nas noites da cidade.
O futebol surge como tábua de salvação de “Mad Dog”, o ringue como o único local onde esquece a violência e se deixa levar pela magia da bola. Aí transforma-se, torna-se no motor do meio campo, no esteio da defesa e no fantasista do ataque. Mas, infelizmente, há vida para além da bola, e nestas bandas, ninguém está seguro quando “Mad Dog” anda à solta…
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