O nosso mundo (parte II)

Tendo em conta que entramos na altura do Natal, em que o consumismo dispara como o Simão a passar pelo Custódio (primeira nota: Custódio? Filho indesejado? Ou nasceu no “Trás-os-Montes” profundo?), cabe-me falar de algo que todos vemos, ainda que nem sempre reparemos nisso: “O papel do Homem nas epopeias de compras de roupa das suas respectivas”.
Antes que comecem a fantasiar com aventuras de casais nos provadores (andam outra vez a ver o Playboy Channel? É no que dá as boxes pirata), aviso já que o texto que se segue fala do definhar do homem enquanto ser humano, de um processo tão destrutivo como inevitável, nascido do passar do tempo e desta aparente necessidade do homem em ter uma relação com algo mais que o seu computador/carro/telemóvel/filmes/futebol/etc, um ser também conhecido como mulher.
Parece-me evidente que a relação do homem com as compras das suas queridas namoradas/noivas/esposas/dominadoras insensíveis e implacáveis evolui consoante o tempo em comum, até porque todos sabemos que no início de uma relação o homem assobia e passado uns tempos já nem pia (este é o momento em que todos aqueles que não querem assumir a realidade levantam a voz ou tossem com catarro para mostrar que lá em casa não é nada assim ou, pelo menos, elas fazem a coisa de forma a que eles continuem a pensar que são eles a mandar).
Assim sendo, é ver por esses shoppings fora casais de namorados, em que o jovem sorri e demonstra um imenso interesse nos acessórios em papel-maché vindos do sul do Bangladesh ou carrega com prazer as vinte e sete saias e as quarenta camisas e tops que a namorada vai experimentar durante horas e horas (algumas das quais foi ele mesmo que sugeriu que ela levasse), período em que ele está de pé à porta do provador, esperando por um breve momento em que tem de apreciar e comentar a roupinha vestida e elogiar, qual cassete, a fantástica forma física e a elegância natural da sua modelo preferida. E isto sempre a sorrir, feliz por estar na presença daquela que é, sem dúvida alguma, a melhor coisa que lhe aconteceu.
Esta é claramente a fase 1, o namoro recente.
Os elementos que pertencem à classe 2, conhecidos como “Namorados de longa data (mais de 5 anos) ou indivíduos em estado de união de facto com menos de 3 anos” são uma classe diferente.
O sorriso aberto transformou-se numa cara de obstipação prolongada e vagueiam pelas lojas soltando suspiros constantes. Deixaram de acompanhar as respectivas para apenas as seguirem, zombies sem vontade própria que a tudo respondem com grunhidos mais ou menos profundos (depende de quanto tempo já passaram na loja de roupa preferida dela) ou frases simples e mecânicas como “Tu é que sabes”, “Eu acho que tudo te fica bem” ou ainda “Compra”. A paciência abandona-os a cada entrada na Zara e por vezes, quando sujeitos às provas de roupa, cometem erros terríveis motivados pelo extremo cansaço físico e psicológico, como dizer “Engordaste um bocadinho” ou “Parece-me que tens aí um bocadinho de celulite”. Os resultados são de todos conhecidos pelo que não vale a pena explaná-los (até porque ainda tenho traumas das vezes em que cometi tais erros e o meu terapeuta diz-me que o melhor é enterrar bem fundo esses momentos”).
Acima de tudo, estes homens invejam, e numa fase final do estágio tentam mesmo imitar, aqueles que chegaram ao fim da linha, ao degredo da condição humana masculina: “Indivíduos casados ou em união de facto superior a 3 anos”, os homens da fase 3.
Estes são aqueles que todos vemos à porta das lojas (segunda nota: um grande “bem-haja” à direcção do GaiaShopping que colocou sofás relativamente confortáveis para que se possam sentar), fumando o seu cigarro, ou em casos muito adiantados, trocando palavras entre eles, enquanto as suas meninas vasculham os recantos das lojas de roupa.
Já ultrapassaram o stress e a dor, sabem que nada podem fazer, e atingiram o nirvana das epopeias de compras das suas respectivas, conhecido pelos homens como “A Indiferença”. Para estes, os longos períodos de compras são como uma ida a uma reunião de pais: longos, inúteis mas impossíveis de evitar (fora um ou dois momentos do ano em que por artes do destino ou muito labor surge uma desculpa convincente). Atingido tal estado de conhecimento e paz interior, passam quase todo o tempo em silêncio, pensando em tudo o que poderiam estar a fazer, sonhando com horas mais felizes. Mas tal como um leão que foi capturado em África e levado para o Zoo do Raul Indipwo, perderam o brilho no olhar, são apenas sombras do que outrora foram… sombras com barrigas cada vez maiores…

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